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“La fleur au fusil” de Lionel Cecílio no OFF de Avignon

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“La fleur au fusil” é a nova criação de Lionel Cecílio. Uma peça inspirada no 25 de Abril de 1974, em Portugal. Uma história que entrelaça as memórias da avó Celeste, com factos históricos que levaram à Revolução dos Cravos. A peça pode ser vista até ao próximo domingo, 21 de Julho, no Théâtre des Brunes, em Avignon, no âmbito do festival OFF de Avignon.

“La fleur au fusil” é a nova criação de Lionel Cecílio. Uma peça inspirada no 25 de Abril de 1974, em Portugal. Sozinho em palco Lionel Cecílio interpreta 18 personagens numa história que entrelaça as memórias da avó Celeste, com factos históricos que levaram à Revolução dos Cravos. A peça pode ser vista até ao próximo domingo, 21 de Julho, no Théâtre des Brunes, em Avignon, no âmbito do festival OFF de Avignon.

RFI: Que peça é esta?

Lionel Cecílio: É uma peça sobre a Revolução dos Cravos, com um único actor em palco que sou eu, com 18 personagens para contar não só o que foi a Revolução dos Cravos de uma forma histórica, mas também o que foram os percursos humanos daqueles que viveram essa revolução, para também contar, uma maneira um pouco universal, como homens e mulheres são capazes de se livrarem de uma ditadura.

Como é que surgiu esta ideia de contar esta história?

Eu não tinha bem ideia do que aconteceu a 25 de Abril de 1974 em Portugal. Sabia que havia uma data, sabia que havia uma ponte [Ponte 25 de Abril em Lisboa], mas não sabia bem o que tinha acontecido.

Um dia, durante o confinamento, aqui em Paris, vi passar nas redes sociais uma coisa a propósito do 25 de Abril. Comecei a ler e a ver, a interessar-me um bocadinho sobre o que aconteceu e compreendi que tinha passado ao pé de um facto histórico muito importante.

Telefonei à minha avó que estava em Portugal nesse momento e disse-lhe: Porque é que tu nunca me contaste? E ela me respondeu: Porque é que tu nunca me perguntaste? E assim compreendi que não tinha considerado a minha avó e a vida que ela teve antes de ser avó.

Subi num avião desde que foi possível e fui passar quatro dias com ela a Lisboa. Ela contou-me tudo e foi assim que eu descobri tudo quanto era para descobrir através dela, do que aconteceu durante os anos 50, 60, 70 até ao 25 de Abril 1974.

Portanto, esta avó Celeste existe mesmo?

O que existe são duas coisas diferentes que eu pus junto no espectáculo. Celeste Martins é a mulher, ainda viva, que deu os cravos aos militares. A minha avó chama-se Celeste. Portanto, no palco, eu imaginei um neto que podia ser eu, uma avó que podia ser a minha, numa história que era aquela que aconteceu mesmo em Portugal. E foi através deste nome Celeste, que eu digo muitas vezes, que se faz esse ponto de encontro entre realidade e ficção. Foi aí que eu fiz o nó disso tudo para contar a história como eu queria contar e que fosse narrativamente mais interessante no palco.

Queria contar esta história com estes personagens e com esta Celeste, que efectivamente foi a senhora que teve a ideia dos cravos, mas aproveitou o facto também da sua avó se chamar Celeste para juntar aqui estas duas histórias.

Sim, porque era importante para mim. Queria contar três coisas: historicamente, o que aconteceu em Portugal de uma forma humana; depois, como é importante ir ao contacto da vida que tiveram os nossos avós e dessa passagem de geração em geração. Portanto, criei uma avó e um neto. Em terceiro queria dar um ângulo mais universal. A história é o mais fiel possível à história de Portugal e o mais humano possível nessa passagem entre gerações de uma avó e de um neto.

Na sua peça também se fala das condições da comunidade portuguesa que residia em França. Nessa altura, viviam nos bairros de lata, nos bidonville como são conhecidos. Só de há uns anos a esta parte é que se começa a falar dessa história, só agora é que o que se passou começa a ter voz, porquê?

Em todas as histórias um bocadinho difíceis, negras e complicadas, há uma sensação de pudor daqueles que o viveram, que não querem compartilhar para não estar nesse lugar de contar o que foi complicado. Eu acho que todas as gerações passadas têm a vontade de proteger as novas gerações e não contar o que foi difícil, quer seja a guerra da Algéria ou sobre outras guerras.

Por cima disso, eu acho que o nosso povo português, do qual eu sou e os meus avós, também são, não somos muito faladores dessas coisas. Na nossa comunidade há muitas coisas que não se dizem, que não se partilham. É isso também que eu queria fazer com esse espectáculo, uma passagem de conhecimento, de palavra aberta, de dizer que as coisas existem, que a gente fala delas, que também são bonitas, lindas, apesar de serem duras, elas têm uma parte histórica muito forte para nos ajudarem para o futuro, compreendendo o que foi o nosso passado, as nossas raízes. Vamos estar mais armados para o futuro.

Agora, há pouco tempo, houve aqui em França, mas também em Portugal, um grande medo da extrema-direita, dessas ideias e desses partidos. Eu acho que se a gente tiver mais ao corrente de como as liberdades são comidas, pouco a pouco estaríamos mais armados para não pensar em coisas como: nunca tentamos a extrema-direita, vamos tentar? Não, já tentamos e foi muito difícil sair daí. Portanto, eu artista, mas todos temos que ter essa responsabilidade de dizer as coisas para dar armas às gerações futuras.

Ao longo da sua peça há um género de homenagem à própria mulher.

Eu acho que era muito importante essa passagem, que é um bocadinho complicada e um bocadinho longa. Esse controlo da PIDE com a Celeste e, também, depois ela a contar ao Zé e depois ao Chico que também que é o irmão dela, como foi torturada.

Para mim era muito importante a homenagem às mulheres. Acabo o espectáculo dizendo isso: Portugal não vai ser sempre salvo por causa dos homens portugueses serem poetas, mas porque as mulheres são inspiradoras.

Nessa história, e em todas as histórias, as mulheres são as primeiras a serem oprimidas e são elas que fazem tudo. Eu acho que a gente deve muito às mulheres. Se elas são as primeiras oprimidas, é porque os homens - que são os opressores - têm interesse em oprimir as mulheres, porque elas é que têm a força.

Esta peça já tinha sido apresentada em Paris…

Uma vez. A criação foi para Avignon. A gente faz sempre uma estreia em Paris para tentar ver como as coisas são recebidas. E eu disse ao meu encenador - que não é português e não tinha essa consideração tão forte como eu tinha, filho de imigrantes portugueses, da força que era um dia como o 25 de Abril - se temos que tentar uma data em Paris, tem que ser dia 25 de Abril. E assim foi.

Fizemos a primeira tentativa no dia 25 de Abril, no Théâtre du Ranelagh, mas foi a única. E o que a actuamos lá não tem muito a ver com o que a fazemos aqui, porque entre o dia 25 de Abril [de 2024] e agora várias coisas foram feitas de outra maneira, até cenas que não existiam e que agora existem.

A sala tem estado sempre cheia?

No primeiro dia, estreamos a peça e tínhamos meia sala e a partir daí foi sempre sala cheia e espero que assim continue até o fim.

Desde a segunda representação até agora, todos os dias, o público tem-se levantado com muita força para aplaudir o espectáculo. E hoje o meu medo maior é que o público não se levante. Tenho agora muita pressão para que se levante até o fim. Eu não imaginava uma sessão do espectáculo assim tão forte.

Em nenhum momento teve medo de pelo facto de em algumas partes falar em português, alguma coisa pudesse escapar a quem não percebe as duas línguas?

Foi uma coisa que trabalhámos muito. O meu encenador não fala português e eu, no princípio, quando escrevi o espectáculo, tinha imaginado algo com uma tradução em videoprojecção para as pessoas poderem ler. E ele disse-me que não, disse-me: tens que imaginar uma escrita mais fina onde o português e o francês vão se casar de tal forma que aquele que não fala francês vai compreender tudo graças ao português, tens que casar as duas línguas e as duas culturas da mesma maneira que tu dizes no espectáculo que elas estão juntas em ti, elas têm que estar juntas no espectáculo.

Desde a primeira apresentação, os não portugueses, os franceses que não falam português, todos disseram que era incrível porque eles saíam do espectáculo com a impressão de falarem português e que não lhes afectava no entendimento da peça.

Por isso eu acho que ganhamos nesse sentido.

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“La fleur au fusil” é a nova criação de Lionel Cecílio. Uma peça inspirada no 25 de Abril de 1974, em Portugal. Sozinho em palco Lionel Cecílio interpreta 18 personagens numa história que entrelaça as memórias da avó Celeste, com factos históricos que levaram à Revolução dos Cravos. A peça pode ser vista até ao próximo domingo, 21 de Julho, no Théâtre des Brunes, em Avignon, no âmbito do festival OFF de Avignon.

RFI: Que peça é esta?

Lionel Cecílio: É uma peça sobre a Revolução dos Cravos, com um único actor em palco que sou eu, com 18 personagens para contar não só o que foi a Revolução dos Cravos de uma forma histórica, mas também o que foram os percursos humanos daqueles que viveram essa revolução, para também contar, uma maneira um pouco universal, como homens e mulheres são capazes de se livrarem de uma ditadura.

Como é que surgiu esta ideia de contar esta história?

Eu não tinha bem ideia do que aconteceu a 25 de Abril de 1974 em Portugal. Sabia que havia uma data, sabia que havia uma ponte [Ponte 25 de Abril em Lisboa], mas não sabia bem o que tinha acontecido.

Um dia, durante o confinamento, aqui em Paris, vi passar nas redes sociais uma coisa a propósito do 25 de Abril. Comecei a ler e a ver, a interessar-me um bocadinho sobre o que aconteceu e compreendi que tinha passado ao pé de um facto histórico muito importante.

Telefonei à minha avó que estava em Portugal nesse momento e disse-lhe: Porque é que tu nunca me contaste? E ela me respondeu: Porque é que tu nunca me perguntaste? E assim compreendi que não tinha considerado a minha avó e a vida que ela teve antes de ser avó.

Subi num avião desde que foi possível e fui passar quatro dias com ela a Lisboa. Ela contou-me tudo e foi assim que eu descobri tudo quanto era para descobrir através dela, do que aconteceu durante os anos 50, 60, 70 até ao 25 de Abril 1974.

Portanto, esta avó Celeste existe mesmo?

O que existe são duas coisas diferentes que eu pus junto no espectáculo. Celeste Martins é a mulher, ainda viva, que deu os cravos aos militares. A minha avó chama-se Celeste. Portanto, no palco, eu imaginei um neto que podia ser eu, uma avó que podia ser a minha, numa história que era aquela que aconteceu mesmo em Portugal. E foi através deste nome Celeste, que eu digo muitas vezes, que se faz esse ponto de encontro entre realidade e ficção. Foi aí que eu fiz o nó disso tudo para contar a história como eu queria contar e que fosse narrativamente mais interessante no palco.

Queria contar esta história com estes personagens e com esta Celeste, que efectivamente foi a senhora que teve a ideia dos cravos, mas aproveitou o facto também da sua avó se chamar Celeste para juntar aqui estas duas histórias.

Sim, porque era importante para mim. Queria contar três coisas: historicamente, o que aconteceu em Portugal de uma forma humana; depois, como é importante ir ao contacto da vida que tiveram os nossos avós e dessa passagem de geração em geração. Portanto, criei uma avó e um neto. Em terceiro queria dar um ângulo mais universal. A história é o mais fiel possível à história de Portugal e o mais humano possível nessa passagem entre gerações de uma avó e de um neto.

Na sua peça também se fala das condições da comunidade portuguesa que residia em França. Nessa altura, viviam nos bairros de lata, nos bidonville como são conhecidos. Só de há uns anos a esta parte é que se começa a falar dessa história, só agora é que o que se passou começa a ter voz, porquê?

Em todas as histórias um bocadinho difíceis, negras e complicadas, há uma sensação de pudor daqueles que o viveram, que não querem compartilhar para não estar nesse lugar de contar o que foi complicado. Eu acho que todas as gerações passadas têm a vontade de proteger as novas gerações e não contar o que foi difícil, quer seja a guerra da Algéria ou sobre outras guerras.

Por cima disso, eu acho que o nosso povo português, do qual eu sou e os meus avós, também são, não somos muito faladores dessas coisas. Na nossa comunidade há muitas coisas que não se dizem, que não se partilham. É isso também que eu queria fazer com esse espectáculo, uma passagem de conhecimento, de palavra aberta, de dizer que as coisas existem, que a gente fala delas, que também são bonitas, lindas, apesar de serem duras, elas têm uma parte histórica muito forte para nos ajudarem para o futuro, compreendendo o que foi o nosso passado, as nossas raízes. Vamos estar mais armados para o futuro.

Agora, há pouco tempo, houve aqui em França, mas também em Portugal, um grande medo da extrema-direita, dessas ideias e desses partidos. Eu acho que se a gente tiver mais ao corrente de como as liberdades são comidas, pouco a pouco estaríamos mais armados para não pensar em coisas como: nunca tentamos a extrema-direita, vamos tentar? Não, já tentamos e foi muito difícil sair daí. Portanto, eu artista, mas todos temos que ter essa responsabilidade de dizer as coisas para dar armas às gerações futuras.

Ao longo da sua peça há um género de homenagem à própria mulher.

Eu acho que era muito importante essa passagem, que é um bocadinho complicada e um bocadinho longa. Esse controlo da PIDE com a Celeste e, também, depois ela a contar ao Zé e depois ao Chico que também que é o irmão dela, como foi torturada.

Para mim era muito importante a homenagem às mulheres. Acabo o espectáculo dizendo isso: Portugal não vai ser sempre salvo por causa dos homens portugueses serem poetas, mas porque as mulheres são inspiradoras.

Nessa história, e em todas as histórias, as mulheres são as primeiras a serem oprimidas e são elas que fazem tudo. Eu acho que a gente deve muito às mulheres. Se elas são as primeiras oprimidas, é porque os homens - que são os opressores - têm interesse em oprimir as mulheres, porque elas é que têm a força.

Esta peça já tinha sido apresentada em Paris…

Uma vez. A criação foi para Avignon. A gente faz sempre uma estreia em Paris para tentar ver como as coisas são recebidas. E eu disse ao meu encenador - que não é português e não tinha essa consideração tão forte como eu tinha, filho de imigrantes portugueses, da força que era um dia como o 25 de Abril - se temos que tentar uma data em Paris, tem que ser dia 25 de Abril. E assim foi.

Fizemos a primeira tentativa no dia 25 de Abril, no Théâtre du Ranelagh, mas foi a única. E o que a actuamos lá não tem muito a ver com o que a fazemos aqui, porque entre o dia 25 de Abril [de 2024] e agora várias coisas foram feitas de outra maneira, até cenas que não existiam e que agora existem.

A sala tem estado sempre cheia?

No primeiro dia, estreamos a peça e tínhamos meia sala e a partir daí foi sempre sala cheia e espero que assim continue até o fim.

Desde a segunda representação até agora, todos os dias, o público tem-se levantado com muita força para aplaudir o espectáculo. E hoje o meu medo maior é que o público não se levante. Tenho agora muita pressão para que se levante até o fim. Eu não imaginava uma sessão do espectáculo assim tão forte.

Em nenhum momento teve medo de pelo facto de em algumas partes falar em português, alguma coisa pudesse escapar a quem não percebe as duas línguas?

Foi uma coisa que trabalhámos muito. O meu encenador não fala português e eu, no princípio, quando escrevi o espectáculo, tinha imaginado algo com uma tradução em videoprojecção para as pessoas poderem ler. E ele disse-me que não, disse-me: tens que imaginar uma escrita mais fina onde o português e o francês vão se casar de tal forma que aquele que não fala francês vai compreender tudo graças ao português, tens que casar as duas línguas e as duas culturas da mesma maneira que tu dizes no espectáculo que elas estão juntas em ti, elas têm que estar juntas no espectáculo.

Desde a primeira apresentação, os não portugueses, os franceses que não falam português, todos disseram que era incrível porque eles saíam do espectáculo com a impressão de falarem português e que não lhes afectava no entendimento da peça.

Por isso eu acho que ganhamos nesse sentido.

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